domingo, 31 de julho de 2011

Coisinhas Sádicas

Quando estava revisando o blog, vi uma postagem sobre uma oficina de minicontos, que o José Marins estava ministrando na biblioteca pública, e lembrei que eu também já fui minicontista. Não levei tão a sério assim. Respeito a proposta. Gosto. Mas não é bem a minha praia. Ou talvez seja, mas eu não vivo no litoral. Achei estes minicontos aqui, realmente não lembrava de já ter escrito algo assim, mesmo fazendo apenas dois anos. O agrupamento deles se chamava Coisas Pequenas, mas como, além do tamanho, o que os aproximava também era um pessimismo bastente cruel, renomeio-os aqui: Coisinhas Sádicas.

A namorada do colecionador de borboletas

Ontem eu dormi na casa do meu namorado. Primeira e última vez. Aliás, ex-namorado. Quando acordei, ele não tava lá, então fiquei olhando as coisas dele. Encontrei sua coleção de borboletas. Achei aquilo bizarro e tava prestes a jogar fora, quando ele chegou. Falei que ele não devia colecionar borboletas, que era errado e que ele não podia matar animais pra usar como enfeite. Disse que ele tava maluco e perguntei por que ele não fazia isso com alguém do tamanho dele. Aí ele sorriu de um jeito, com um brilho no olhar, que a única coisa que pude fazer foi sair correndo.

Café na esquina

Estamos eu e meu namorado num café de esquina, numa mesa do lado de fora, conversando sobre nosso relacionamento. Então me exalto com as explicações absurdas dele, de modo que falo um pouco mais alto: você é, ou não, feliz comigo? Mas justamente nesse momento passa por nós um cara desses, metido a intelectual, que me ouviu e não se conteve, respondendo no lugar do meu parceiro que a felicidade não existe. Ele disse isso e mostrou aquele sorriso de criança que traquinou, mas tudo sem parar de andar e ao chegar à rua é atropelado por um caminhão. Acabado o interruptor, olho pro meu namorado, que está fazendo cara de idiota, e pergunto: você também é freudiano ou é capaz de me responder se é feliz comigo?

Deixando o lixo

E ela se foi feliz para sempre.


Fadas novas

Chorava, pois sabia que não teria um grande futuro, conforme profetizara a feiticeira. Então chorava, quando entrou pela janela a fada. Parou de chorar e implorou à visitante ajuda.

- Posso te dar o que você quer. Mas você poderá pagar meu preço?

- Sim, faço o que você quiser. Dou qualquer coisa. Mas me faça princesa.

Poucos dias depois, a moça casa-se com o príncipe e tem suas núpcias, mas, à meia noite, a fada transforma-a em queijo e a come.

Inusitado

- Oi...

-...

- Olá...

-...

- Hei garçom!

- O que você quer?

- Só um pouco de atenção.

- Idiota.

Órfãos de orfanato

Assim que o governo abriu o orfanato eu e os outros fomos, até um pouco animados, ver o lugar. Mas a gente chegou lá e disseram que não tinha lugar porque a gente não precisava. Eu olhei em volta. A gente é pobre também. Aí eu disse isso. Mas eles repetiram que tinha gente precisando mais. Aí eu perguntei: como assim? E eles responderam: não tem nada pra vocês aqui, vão embora, vocês não vão morrer de fome. Verdade. Não morremos de fome. As pessoas deram comida pr’a gente e alguns engordaram até. Eu não engordei. Essa coisa de viver nos ônibus e nas ruas mendigando sempre me deixou sem fome. E a gente, os brancos pobres, fica sem pai, mãe ou orfanato porque lá eles dizem que só as outras cores precisam.

Primeira cria

Eu estava no ônibus, levando nos braços uma cópia do projeto do meu livrinho, cheio de tiques nervosos por conta da ansiedade. Do meu lado, um velhinho simpático vê meu estado e fala comigo numa tentativa de me acalmar.

- Seu livro?

- Sim.

- Levando pra uma editora?

- Não. Pra uma bióloga.

Romântico versos mundo

Sempre fora muito dado a romantismos. Certa vez, indo à praia, ao ver a grandiosidade do oceano, sentiu uma imensa necessidade de interagir com alguém. Foi a uma adega, comprou uma garrafa e bebeu tudo enquanto escrevia um poema na nota fiscal. Por fim, colocou o poema na garrafa, fechou-a e preparava-se para arremessá-la ao mar, quando uma moça que passava parou-o: Você não tem vergonha? Não tem um pingo de consciência ecológica?

Sentimentos

- Se nosso ódio não é amor, eu não sei o que é.

- Ódio?

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